A economia solidária e as empresas sociais nos Açores

Terminou ontem o ciclo de conferências organizado no âmbito da unidade curricular Contextos e Práticas de Empreendedorismo Social e assim nos aproximamos rapidamente do final do primeiro semestre deste ano que nos marcará para sempre.

Terminámos com o tema que começámos: a economia social e solidária e as empresas sociais. A conferência final debruçou-se sobre a economia social e solidária nos Açores, com a participação de dois dos seus atores mais significativos, a Kairós – Cooperativa de Incubação de Iniciativas de Economia Solidária, uma das primeiras organizações do movimento da economia solidária dos Açores, apresentada pelo Dr. Pedro Gouveia, e a Cresaçor – Cooperativa Regional de Economia Solidária, a rede de organizações de economia solidária dos Açores, com 27 membros que desenvolvem atividades económicas de inserção pelo trabalho e pela economia, apresentada pela Dra. Inésia Pontes.

As duas apresentações trouxeram-nos informações sobre as atividades das duas organizações, mas também nos trouxeram reflexões sobre a razão de ser da singularidade dos Açores no que se refere à vitalidade do movimento da economia social e solidária e das empresas sociais, sem paralelo no restante panorama em Portugal. Como refere Rogério Roque Amaro, os Açores integram, com as Ilhas da Madeira, Canárias e de Cabo Verde, um terceiro modelo de economia solidária, o modelo da Macaronésia, a par com o modelo da América do Sul e o Europeu francófono.

A Kairós, nascida em 1995, emerge do movimento Kairós, de um conjunto de organizações sociais de intervenção na luta contra a pobreza e exclusão social determinadas em inovar nas formas de atuação na perspetiva da inclusão pelo trabalho. É assim que hoje conta com um conjunto de iniciativas empresariais solidárias – empresas sociais – como a Cozinha Kairós, BioKairós, KMove e a KBike Center. É coproprietária do CIARIS-CT – Centro Informático de Aprendizagem e de Recursos para a Inclusão Social e Coesão Territorial, “um espaço virtual de conectividade e partilha de informação e de geração de conhecimento útil destinado a todas as pessoas interessadas no aprofundamento dos domínios temáticos relacionados com a ‘Integração Sócio-económica’, ‘Coesão Territorial’, ‘Economia Solidária’, ‘Cultura, Identidade e Criatividade’ e ‘Animação Territorial’”. Aqui se pode encontrar vasta documentação disponível online, nomeadamente a que deu origem à conceptualização e desenvolvimento da economia solidária da Macaronésia, como a Brochura “Economia Solidária – Contributos para um conceito”, da autoria de Rogério Roque Amaro e Francisco Madelino, 2004 (Projecto de Iniciativa Comunitária INTERREG III B “ESCALA”/ Estratégia de Desenvolvimento para a Sustentabilidade das Empresas de Economia Solidária).

A Cresaçor é uma cooperativa de 27 organizações da ESS de 6 ilhas dos Açores, da qual a Kairós é membro-fundador que celebra este ano os seus 20 anos, tendo nascido no âmbito do Projeto de Luta Contra a Pobreza e pela criação de um programa para o desenvolvimento das empresas de inserção sócio-profissional dos Açores – O Projeto IDEIA, iniciado em 1999. Aos seus cooperantes presta apoio na promoção, valorização, comercialização e distribuição dos seus produtos. Tem particular destaque o apoio o Gabinete da Qualidade SICARO, que implementa e monitoriza os critérios da qualidade na Rede da Economia Social e Solidária dos Açores e o Selo de Garantia CORES, que certifica a origem e a qualidade dos produtos e serviços das organizações da Rede de Economia Solidária dos Açores. Além disso, e entre outras atividades e projetos a Cresaçor atua na promoção do micro-empreendedorismo, nomeadamente através da educação, formação e à incubação do posto de trabalho, no âmbito do Mercado Social de Emprego e do acesso ao Microcrédito, sendo de destacar a sua incubadora, a INCUBAÇOR, que “acolhe, acompanha, e dispõe de apoio técnico especializado a todos os empreendedores que possuam uma ideia de negócio e desejam desenvolvê-la, ou às micro e pequenas empresas em fase inicial independente da sua forma jurídica, fornecendo-lhes assim alojamento temporário.” Outro membro da Cresaçor, que tem nela a sua sede, é a ACEESA –  Associação Centro de Estudos de Economia Solidária do Atlântico, orientada para a produção de conhecimento sobre economia solidária e que edita a única revista em Portugal deste campo, a Revista de Economia Solidária. Pode ver o vídeo dos 20 anos da Cresaçor aqui.

O Dr. Pedro Gouveia e a Dra. Inésia Pontes não só trouxeram uma ideia clara sobre a realidade das duas organizações e da economia solidária nos Açores como nos tentaram ajudar a responder à pergunta: porquê a singularidade dos Açores no que se refere à vitalidade da economia solidária e das empresas sociais. Percebemos que são muitos os factores que contam para o desenvolvimento de um ecossistema favorável, ao que não é alheio o próprio comprometimento destas organizações não só no desenvolvimento das suas atividades, mas no reforço de todo o sector nos Açores. A colaboração interorganizacional numa perspetiva de fortalecimento mútuo e de interesse comum é bem visível nas atividades desenvolvidas e na proximidade que se depreende entre as duas organizações e com outras que foram sendo mencionadas. O papel da Cresaçor enquanto rede e organização promotora demonstra a importância deste tipo de organizações de infraestrutura. Também é evidente na história das organizações e nas suas iniciativas o papel do conhecimento e a relevância das alianças com a academia. Este está presente na conceptualização da economia solidária da Macaronésia, patente na coerência e clareza da sua presença nas iniciativas e reflexões, nos estudos sobre a economia solidária e o microempreendedorismo que promovem o conhecimento da realidade local e informam a estratégia de desenvolvimento das atividades, e na preocupação em avaliar e demonstrar o impacto social não só das organizações singulares, mas de todo o sector nos Açores – um projeto que a Cresaçor tem agora em curso. Por último, e não despiciente, é a relação entre o sector e os organismos públicos e governamentais regionais. Ficámos a saber que a autonomia do governo regional permite desenhar políticas que têm especificidades relativamente às políticas de Portugal Continental, por exemplo, ao nível do microcrédito e do Mercado Social de Emprego. Este último é um caso particularmente relevante pois é uma política que apoia a criação de empresas de inserção, com um apoio para o seu arranque e funcionamento nos primeiros anos, após os quais as empresas de inserção devem encontrar a sua sustentabilidade. Esta política, criada em 1996 e entretanto extinta no Continente, permitiu que se contassem, em 2004, 424 empresas de inserção (Quintão, 2008). Nos Açores a política foi desenvolvida mais tardiamente, por iniciativa das entidades regionais, sendo que persiste até hoje (Fontes, 2019). É, pois evidente, que a singularidade dos Açores resulta, também da proximidade e do diálogo entre os atores estatais e os atores da economia social e solidária e da relativa autonomia do governo e organismos regionais em relação ao Estado central.

Esta sessão foi naturalmente inspirada e enformada pelo conhecimento produzido no âmbito do projeto em curso TIMES – Trajetórias Institucionais e Modelos de Empresa Social em Portugal, desenvolvido no Centro de Estudos Sociais, que procura perceber o que são empresas sociais em Portugal. Tanto a Cresaçor como a Kairós têm vindo a participar no estudo, sendo que a Kairós é um dos estudos de caso do projeto.

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